quinta-feira

VOLTA PARA CASA

O velho lenhador finalmente consegue terminar o serviço que o Coronel lhe pagou. Por uma meia dúzia de barris de rum, toda aquela madeira nobre poderá ser usada na humilde cabana que irá se erguer no topo da montanha. Não é exatamente um pagamento justo, mas é melhor do que nada, afinal de contas metade vai beber mesmo o resto irá negociar com o dono da mercearia logo ali.

Cansado e com as mãos já calejadas de duas semanas de trabalho duro, Ruffus guarda suas ferramentas no porão da Casa Grande e resolve ir ter uma sincera conversa com o rico porém sovina Coronel, mais conhecido como J.F. Barro. A discussão não demora a começar e quando os capangas do Coronel entram na sala o humilde lenhador percebe que não vai conseguir mais do que pode carregar. Promete voltar em um outra hora mais oportuna e esconde a face tomada de ódio e rancor por tamanho descaso. Ignora a rapariga na sala seguinte com olhos brilhando em direção a sua face negra e barbuda. A última coisa que precisa é confusão com a primogênita de seu maior rival, mesmo que não declarado. Talvez um dia ele se vingue, mas como dizem, é um prato que se come frio.

No caminho de volta a sua choupana não se dá conta dos passantes, tão pouco dos amigos embriagados na Taverna que insistem em lhe chamar. Aquele não era mesmo um bom dia para beber. Foi aí que se esqueceu dos seis pequenos barris de rum que deixou no lado de fora da casa do coronel. Resolve voltar no lombo do cavalo manco do velho Rincon, um mexicano conhecido que lhe devia alguns favores depois daquela briga na porta do Tribunal.

Chegando lá, encontrou dois dos capangas daquele imbecil bebendo e rindo, como se ele fosse o maior idiota de todos os tempos. Com o cabo do machado rachou a cabeça de um e o outro apenas com o nariz quebrado deixou só para contar a história. Saiu de lá com respeito, afinal J.F. Barros não ia manchar sua reputação por uma simples briga no seu quintal. O capataz que morreu era um molóide mesmo e o outro lhe roubava. No final Ruffus acabou lhe fazendo um grande favor.

Devolveu o alazão ao mexicano e foi carregando nos ombros a mercadoria. Dois transeuntes vinham na sua direção. Quando percebeu era apenas dois guris, não deviam ter nem pentelhos nos colhões. Um era negro e bem forte, outro era meio mulato mais baixo e ria alto como peão em dia de pagamento. Iam na sua direção, e como Ruffus nunca foi lá muito de dar passagem para ninguém, foi justamente no peito do negrão que esbarrou, quase derrubando o infeliz na poça de lama depois daquela chuva na noite anterior. Não olhou para trás, mas sabia que alguém lhe praguejava. Talvez um dia se encontrassem de novo, mas este era o menor dos seus problemas agora.

Chegando na porta de casa com um barril a menos, sua senhora lhe esperava. A cara amarrada já precedia o esporro, mas como não sentiu cheiro de bebida na sua boca e o punho ensanguentado mais um sorriso no canto da rosto lhe calou. Ruffus largou o material ao lado da cama, o lugar mais seguro da casa, pois é exatamente no lado onde dorme. Lavou a cara e comeu o pedaço de cabrito que sobrou do almoço do final de semana. Gina, sua esposa, não estava bem. Também teve lá seus próprios problemas e queria conversar, mas viu que seu marido não estava lá de muito ouvidos e resolveu deixar para depois. Quando fica muito quieto ou é porque está a ponto de matar alguém ou já matou. Só duas coisas podem acalmá-lo: matar o cabra ou ir trepar a noite inteira. Felizmente os lençóis daquela casa nunca duravam mais de duas noites e ontem não fora trocados. Fora dormir cheia de porra e rum.